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PLANTANDO UMA MATA

Estou plantando uma mata de espécies nativas brasileiras e dei a ela o sobrenome do meu pai, Décio de Campos Ribeiro, de quem herdei o amor pela natureza. A ideia de plantar uma mata veio chegando aos poucos e se concretizou em outubro de 2013, quando o Ipê Amarelo da minha rua produziu sementes. Poucas vagens recolhidas com escada, no meio da rua, continham aproximadamente 3 mil sementes. Leia mais aqui.

Silvia Valentini

18/03/2015

Caminhar - colhendo sementes

Cresci em uma pequena cidade do interior de São Paulo, sem transporte público. Na praça central havia muitas árvores, a igreja matriz, um ponto de táxi e um ponto de charretes. A charrete do Sr. Júlio era chamada para a diversão das crianças. O ponto alto do passeio era quando a égua Boneca levantava o rabo e fazia cocô.

Usávamos o carro para distâncias maiores, passeios em sítios e fazendas, para eventos nas cidades do entorno. As outras opções eram a minha bicicleta inglesa Hercules 26 e a caminhada. Caminhava-se muito pela cidade, sempre com a intenção de se chegar a um ponto determinado: escola, trabalho, compras, lazer.

Hoje, morando na Grande São Paulo, caminho diariamente pelo meu bairro. Mas não flanando; saio com um objetivo, e procuro manter um ritmo que me dê a sensação de exercício aeróbico, de saúde. Vou ao Correio, ao banco, aproveito para comprar o jornal, caminho diariamente quase cinco quilômetros.


O padrão da caminhada é quebrado quando encontro sementes no chão. Paro, olho para cima, tento reconhecer a espécie, vejo se há fregueses no restaurante, recolho as sementes em saquinhos que sempre carrego comigo. Se não identifico a árvore, fotografo e já em casa busco nos livros, consulto o Vitor Lucato, a Juliana, do blog deverdecasa, autoridades no assunto ‘árvores e sementes’. 

Há muitas sementes espalhadas pelo chão que, se não recolhidas, são levadas pelas enxurradas dos meses chuvosos.





   




Cada caminhada reserva uma surpresa, nunca sei o que vou encontrar. Em janeiro, uma cercadura de pingo de ouro (Duranta erecta aurea), na entrada de um banco, estava enfeitada com uma população de lindos grilos. Ficaram lá por semanas, enquanto passei para conferir. Ou enquanto durou a comida.





Ainda nas notícias da fauna, voltando da caminhada encontrei uma pequena cobra na entrada da minha garagem.




No que sobrou de uma árvore cortada, nasceram cogumelos Orelha-de-pau (Polyporus sanguineus), venenosos, porém lindos.  




Mas nem todas as surpresas são boas. Outro dia encontrei sementes no chão, olhei para cima e vi papagaios verdadeiros (Amazona aestiva) comendo  bolinhas verdes. Pensei que pudesse ser da Azeitona do mato (Vismia brasiliensis), e levei os frutos para casa. Pesquisando, descobri que eram sementes de Santa Bárbara (Melia azedarach).



Pássaros e pessoas estão se encarregando de disseminar espécies exóticas como Santa Bárbara, Leucena, pinheiros, eucaliptos, a palmeira australiana Seafórtia, e tantas outras. Os pássaros, por apreciarem os frutos; os homens, por ignorância. A diversidade da flora brasileira é mundialmente conhecida, mas, no Brasil, muitas pessoas optam por plantar o que esta ‘na moda’ e que é facilmente encontrado em viveiros, em vasos.  Desta maneira, as plantas exóticas vão alterando os ambientes naturais e se constituindo uma ameaça para as nativas que aos poucos vão perdendo espaço.   

Caminhar é um exercício de reflexão, uma atividade prazerosa que encanta. Alguns meses de caminhadas diárias e, pronto: estamos viciados. Para aumentar o encanto, vale conferir as impressões de quem, antes de nós, apreciou a arte de caminhar e escreveu a respeito: Thoreau, Rousseau, W. Benjamin, F. Gros, G. Debord, Proust, Kerouac, Nietzsche, entre outros. Eis aqui alguns trechos:


Acho que não consigo preservar minha saúde e meu ânimo se não passar quatro horas por dia, pelo menos – e geralmente é mais do que isso -, vagando através das matas, dos morros e dos campos, absolutamente livre de todos os compromissos terrenos. Você pode propor um centavo para ler meus pensamentos, ou até mil libras. Quando às vezes lembro que os artesãos e os negociantes ficam em suas lojas não só toda a manhã, mas toda a tarde também, sentados de pernas cruzadas, tantos deles – como se as pernas fossem feitas para se sentar sobre elas e não para ficar de pé ou caminhar sobre elas -, acho que merecem algum crédito por não terem cometido o suicídio há muito tempo.
THOREAU, Henry David. Caminhando. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006

  É delicioso o entardecer, quando o corpo inteiro é um só sentido e aspira deleite através de cada poro. Com estranha liberdade, percorro a Natureza, da qual sou parte integrante. Enquanto caminho em mangas de camisa pela margem pedregosa do lago, embora o tempo esteja frio e nublado, o vento se faça sentir e nada de especial eu veja a atrair-me, todos os elementos me são extraordinariamente afins. As enormes rãs coaxam para anunciar a noite, e a melodia dos noitibós nasce com o vento que encrespa a superfície da água. A afinidade com as folhas esvoaçantes do amieiro e do álamo quase me tira a respiração; contudo, tal como acontece com o lago, a minha serenidade agita-se sem se desmanchar. Essas leves ondas levantadas pelo vento do entardecer são tão alheias à tormenta como a superfície lisa e espelhante. Embora já esteja escuro, o vento ainda sopra e ruge pelo bosque, as ondas ainda se lançam e algumas criaturas embalam o sono com os seus cantos. O repouso jamais é completo. Os animais ferozes não repousam, e procuram nesta hora as suas presas; a raposa, o zorrilho e o coelho vagam sem medo pelos campos e bosques. São as sentinelas da Natureza, elos que unem os dias da vida animada.
THOREAU, Henry David. Walden ou A vida nos bosques. São Paulo : Global Editora, 1985

O sopro do vento, o zumbido dos insetos, o curso do riacho, o impacto das pisadas sobre a terra, é todo um rumorejar que responde à nossa presença. Até mesmo a chuva. Uma chuva leve e suave é um acompanhamento permanente, um murmúrio que se escuta, com suas entonações, estalos, espaçamentos, pancadinhas distintas da água ricocheteando na pedra, ou o longo tecer melodioso das cortinas de chuva caindo com uma velocidade regular. É impossível estar só quando caminhamos, de tanto que dispomos de coisas ao alcance dos olhos, que nos são dadas, que são nossas pela tomada de posse inalienável da contemplação.
GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. São Paulo : É Realizações, 2010

Nunca pensei tanto, existi tanto, vivi tanto, fui tanto eu [...] quanto nas viagens que fiz sozinho e a pé.
ROUSSEAU, Jean Jacques. As confissões. Rio de Janeiro : José Olympio, 1948

 Todos os anos, no dia de nossa chegada, para sentir que estava mesmo em Combray, eu subia ao encontro do vento que corria pelos valados e me fazia correr atrás de si. Tínhamos sempre o vento ao nosso lado, para as bandas de Méséglise, sobre aquela planície convexa onde durante léguas não encontra ele nenhum acidente de terreno.
[...]
Quantas vezes depois daquele dia, em passeios para os lados de Guermantes, não me pareceu ainda mais aflitivo do que antes não ter qualquer inclinação para as letras e ser obrigado a renunciar de vez a tornar-me um escritor célebre? A mágoa que eu sentia, enquanto ficava a sonhar sozinho, um pouco distante dos outros, me fazia sofrer tanto que meu espírito, para não mais senti-la, por si mesmo, numa espécie de inibição diante da dor, deixava inteiramente de pensar em versos, em romances, em um futuro poético com o qual a minha falta de talento me proibia de contar. Então, bem longe de todas essas preocupações literárias e em nada relacionados a ela, eis que de repente um telhado, um reflexo do sol sobre uma pedra, o cheiro de um caminho, faziam-me parar por um prazer singular que me davam, e também por que tinham o aspecto de quem guarda, além do que eu via, algo que me convidavam a vir pegar e que, apesar de meus esforços, eu não conseguia descobrir. Como eu sentia que aquilo se encontrava neles, eu ficava ali, imóvel, a contemplar, a respirar, a tentar ir, com o pensamento, para além da imagem ou do cheiro.
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido - No caminho de Swann. Porto Alegre : Editora Globo, 1972

Paris criou o tipo do flâneur. É estranho que não tenha sido Roma. Qual é a razão? Na própria Roma, o sonho não percorreria ruas pré-traçadas? E não está aquela cidade demasiadamente saturada de templos, praças cercadas e santuários nacionais, para poder entrar inteira no sonho do transeunte, com cada paralelepípedo, cada tabuleta de loja, cada degrau e cada portão? É possível explicá-lo em cada parte também pelo caráter nacional dos italianos. Pois não foram os forasteiros, mas eles, os próprios parisienses que fizeram de Paris a terra prometida do flâneur, a “paisagem construída de pura vida”, como  Hofmannsthal certa vez a chamou. Paisagem – é nisso que  a cidade de fato se transforma para o flâneur. Ou mais precisamente: para ele, a cidade cinde-se em seus pólos dialéticos. Abre-se para ele como paisagem e fecha-se em torno dele como quarto.

BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte : Editora UFMG, 2006




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